Raízes que somos nós

Sinto a dureza de uma raiz
Semeada, cultivada, germinada
Destinada a perder-se de sua terra
Seu calor, desterrada, arrancada
Colhida, despejada, desmembrada
Misturada a outras tantas iguais
Em uma bancada, amontoada
Ensacada, transportada
À espera do abate predestinado
Removem-me a casca, minha pele
Identidade nua, feridas à mostra
Arrancadas com a precisão
Da ponta de uma faca
Até que nada mais se remeta
Ao plantio de minha própria raiz
Sem essência, em uma panela de barro
Feita da mesma terra plantada
Aguada, salgada, temperada
Em uma alquimia medida numa travessa
Degustada pelo aroma, pelo sabor
Mastigada, engolida, digerida
Lançada a um novo adubo
De volta à terra, ventre do mesmo ciclo
Regada, escoada, como a água que cai da chuva
Que seiva dos galhos, das folhas, das flores
Frutos de uma mesma terra, mesma raiz
Tem terra que com o tempo seca
Cresce árida, terra de cactos
De espinhos que geram, mas não ferem
A mais bela flor do ventre do seu sertão
Calangos camuflam-se à terra
Com sua estrutura de garras e escamas
Arrastam suas carcaças cansadas
Secas, areadas, como o próprio solo rastejado
Terra rachada como os calcanhares
Dos que a atravessam, e carregam
Em seus olhos uma mesma esperança
Fé sertaneja de quem busca alguma terra
A fim de fincar e fecundar a sua própria raiz
Imigrantes, ilegais, paus de arara
Pés descalços, sangrando sua caminhada
Mãos calejadas de aragem, de enxada
Cultivam o solo de algum patrão
Sinhazinhas e seus senhores
Capatazes, coronéis e seus peões
Somos todos o mesmo sertão
A mesma raiz, aquela cultivada
Arrancada, destrinchada, servida, devorada
Destroçada, engolida, digerida, excretada
E, por fim, voltamos todos ao mesmo solo
À mesma morte, semeada ao novo ciclo
Renascida, raiz que brota, e é colhida
O que volta à terra, não volta igual
Retorna ao solo o que lhe fez a vida

 

(Alessandra Capriles)

Deixe um comentário