A feira é livre, nós não.

Olhos e a letargia do corpo despertam
A mente, há muito, já não dorme
O silêncio dominical nunca houve
Mas, agora, pouco há
A liberdade da feira também silencia
Mas, ainda há vida além da xepa
Ao longe, carros apressados
Vários deles, apesar de domingo
Deslizam as pistas da via que tomaram para si
Não passa mais gente
O mundo todo, agora, se evita.

Em tempos pandêmicos
Quem transita entre o povo não é rei
É bobo da corte
Ou, o próprio povo
Que, para onde há de se resguardar?
Em tempos virais
Quem fica em casa é rei de sua própria majestade
Ou, o bobo dos cortes
Ou, a própria morte
Que aguarda a sua solidão.

Feirantes erguem barracas como santuários
Para que a boa fé não alimente a fome
Erguem-se como pequenos deuses em seus templos de madeira e tecido
Não se sabe o picadeiro
Nem o amanhã
Alimentam aquém como seus próprios filhos
Para que eles ainda hajam.

Barrigas tantas no raio-x da miséria
Transitam tantos, em meio aos ruídos
Que não se sabe se roncam a fome, ou motores
Ouço gritos, outros tantos, bêbados e desolados:
– Tô com fome!
E, nos olhos ébrios, o abandono
A voz dos que não têm nenhuma
Sem chance aos invisíveis.

Ressoa o eco, por tantos cantos
Como em coro, ouço
E, não são motores
Quem cala é a esperança
Que se isolou, antes mesmo de nós
Ficou a sorte, ficamos sós
Entregues a ela, pelo descaminho
Trancafiados em alicerces
Uns concretos, outros barro
Janelas que avistam o horizonte
Ou, os olhos de alguém que também resguarda a fome

A feira já não é mais livre
Como nós
Pairam entre frutas, legumes, peixes, caldos e pastéis
Vírus, solidão, fome, medo e alguns mirréis
Juntos, desfrutam a liberdade
Enquanto anda o povo aflito na clausura
Contando seus metros quadrados
Horas, dias, notícias, moedas
Envoltos à sombra da caverna
E, outras tantas paranoias
Ansiedades que persistem
E, insistem o pânico e o caos.

Enquanto uns dormem, às primeiras horas do dia
Outros esbravejam seus abandonos
Vergonhas e prantos
Se correr, o vírus pega
Se ficar, a fome come
E, neste domingo sabático
Para uns
A feira e o choro são livres
Nós, não.

(Alessandra Capriles)

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