Aqui, opera o meu ofício.

– Tesoura. Alicate. Agulha. Isqueiro.

E, assim, repousando sobre a mesa, aguardavam as enfermas canetas.

Cansadas. Exaustas.

Com suas tintas ressecadas, sob seus corpos enferrujados e amarelados, devido ao tempo. Reclusas do calor de mãos que as desse vida, permaneciam esquecidas.

O destino seria o mesmo de toda matéria em desuso, até que meus olhos as perceberam.

Alguns testes.

– Sem chance…

Mas, não me dei por vencida.

Mais algumas rabiscadas, e, no monitor caderno, um lento suspiro de vida.

– Vamos operar!

Uma pitada de McGyver, outra pitada de criatividade brasileira de baixa renda, com um pouco de intuição, sensibilidade e destreza, fez-se a cirurgia.

Com uma pequena incisão, retira a ponta metálica de uma com o alicate, a ponta da outra, drena as cargas com a agulha quente, aquece as pontas metálicas com o isqueiro, apara as arestas de tinta ressecada, recoloca as pontas em seus corpos carga, mais alguns testes, e, no monitor papel, sinal de vida!

Assim, renasciam duas vidas esquecidas, com suas funções dadas como mortas, inúteis, envelhecidas pelo tempo.

Em meio à era tecnológica, repousavam quase sem pulso, como velhos relógios de corda, com seus tempos cronometrados na memória.

As nostálgicas ideias renasciam sobre folhas e linhas, como suas mãos operantes conseguiam reger ideias pouco invasivas, respeitosas, como se nenhum órgão delas fosse tocado, e somente sentidos.

Como uma cura pelas mãos através da fala escrita, da única maneira como poderiam expressar seus exauridos sinais vitais.

Deu-se nova vida às palavras. Operadas sem marcas, ou cicatrizes. Somente a destreza das ferramentas e a boa intenção, de quem as via mais do que meros objetos de descarte.

Revivia cada carga, como quem trazia de volta velhos tinteiros com suas penas.

Assim, arcaicas, tornaram-se também elas, no avanço do mundo moderno.

Mas, como sábias anciãs, mostraram a que vieram, e, passe o tempo que passar, ainda que sobre folhas amareladas, recuperavam a vitalidade.

Folhas essas que, um dia, foram raízes, troncos, frutos e folhas vivas, mas que o homem, em seu anseio de modernidade, registro e comunicação, fez o pergaminho moderno.

As árvores mortas viraram folhas, que ganharam ideias e novas vidas. Mas, o tempo amigo, por vezes inimigo, as fez também esquecidas.

Árvores fincavam suas novas raízes em telas digitais. Mais táteis do que as humanas. Mais ágeis do que ideias sobre linhas. Porém, menos singulares do que as do registro de identidade humana.

O pensamento e a memória em maior capacidade, porém o mesmo cronômetro vida.

Mesmo no mundo moderno, a ciência e a tecnologia ditam suas regras. Ainda que avançadas, ainda não se criou a vida perpétua. Ainda…

A inteligência artificial quase nos supera, mas ainda há sangue nas veias, tinta nas cargas, mãos para regê-las em linhas sobre as folhas.

Há sentimento, transpiração e inspiração própria. Há inteligência na vida. Há pulso para reconstruir vidas.

Para dar sentido ao que parecia adormecido na eternidade da vida além vida. Ainda que em lentas regências, como quem já não tem pressa com o tempo, e somente busca a harmonia.

Como quem aproveita o tinteiro e o pulso além da sobrevida.

– Aferindo os sinais vitais.

Sim. Há vida!

(Alessandra Capriles)

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