A beleza do tempo.

Aprecio o desgaste natural do tempo.

Acho lindo ver as lascas de tinta saindo das coisas.
A mim, mostra o quanto ali teve vida, o quanto nos serviu, e o quanto ainda nos serve, apesar do desgaste.

Amo os reparos funcionais mais do que os estéticos, como quando a porta range, e, com todo o cuidado, coloca-se óleo, e pronto. Amo ouvir a porta ranger. A cada vez que isso ocorre, vem-me à memória quantas vezes ela já foi aberta, e que o cuidado e a atenção aos reparos são diários.

O desgaste do piso me lembra das inúmeras vezes que incontáveis passos foram dados sobre ele, lembra-me do cheiro da maresia que ajudou a corroê-lo, do cão que buscava marcar seu território, do leite da mamadeira do bebê que a agitava como quem faz arte, da água das fortes chuvas que invadiam o assoalho, das cinzas e da poeira que se acumulavam sobre ele, da taça de vinho derramada, e dos inúmeros copos e pratos quebrados como em grandes festas gregas.

O puído da tinta da porta da varanda me lembra os temporais. As ventanias que entravam com toda a força de Iansã, e levavam as lascas de tinta soltas, as chuvas que as lavavam até sobrar somente a madeira, em uma poética corrosão de desgaste catártico. E como é belo o que há por detrás da tinta. É como sentir aquela antiga árvore ainda enraizada.

E, é pelas frestas das mesmas portas, que vejo balançarem as folhas das plantas. Aquelas de fato enraizadas, plantadas para darem frutos. Vejo seus galhos partindo com a força do vento, e ainda assim elas lutam, querem dar frutos, querem ser flor, e não um defunto seco dentro de um livro.

De tudo o que sofre a interferência do tempo, é bonito ver que, apesar do desgaste estético, as coisas ainda servem e são belas.

A estrutura envelhece, mas ainda é abrigo. Não tem o mesmo viço e cheiro de tinta fresca, mas só se pode ver a beleza natural escodinda por detrás da tinta com o tempo.

Só o tempo revela a serventia e a beleza das coisas. Só o tempo gera frutos. Só o tempo carrega lembranças.

E, ele sempre faz questão de lembrar.

(Alessandra Capriles)

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