Sobre sucessos e trajetórias.

Não sei vocês, meus caros, mas eu fico muito feliz acompanhando o sucesso dos que bem alcançaram. Mas, para vocês, o que é ser bem sucedido?

Durante muito tempo, vivi na plena missão de o ser, e eu não media esforços, noites sem dormir, trabalhando pesado, quando a missão era o trabalho, estudando arduamente, quando a missão era o estudo, sendo coruja, quando a missão foi parir e ser mãe, depois, em vão, sendo esposa, e mais uma vez, buscando sempre ser a melhor em tudo.

Comecei a trabalhar cedo, como já relatei aqui, com 14 anos, sendo monitora na escola onde cursei os primeiros anos do ensino médio, em troca de bolsa de estudos, mesmo sem ter maturidade alguma, nem qualquer noção do que estava fazendo. Logo, estava dando aulas particulares para alguns alunos da própria monitoria, além de lavar as roupas do meu irmão, em troca de mais algum. O que era um ótimo negócio, pois ganhava 1 real por peça, algo bem rentável, à época, com o real equiparado ao dólar, e a inflação ainda não tão desesperadora, quanto hoje.

Não era fácil. Acordava às 5h, ia de bike, ou à pé, até Botafogo, para economizar na passagem. Entrava, às 7h na escola, depois a monitoria, das 13h às 17h, depois aula particular, das 18h às 21h, chegava em casa às 22h, dormia 0h, e, no dia seguinte, tudo de novo.

Fora os freelas mais doidos que eu arrumava, para poder tirar mais algum. Afinal, era eu quem comprava minhas roupas e calçados, além do que herdava das minhas irmãs.

Adolescência, vivi até essa idade. Com muitos traumas, bullyings, abusos, marcas na pele, e algumas outras na alma, sobrevivi.

Depois, quando completei 18 anos, aproveitei o que pude, mas durou pouco, pois logo casei. Um ano depois, mudamos de cidade, fomos para São José dos Campos, onde vivia a família dele, e também entrei, pela primeira vez, na faculdade. Estagiei um tempinho em uma editora, e vivi alguns dos melhores anos da minha vida, naquela cidade. Conheci pessoas que levarei para o resto da vida no peito, alguns como família, outros como grandes amigos.

Lá, era querida por professores e colegas, e fui uma das percursoras da poesia e da arte, junto a um grupo seleto e lindo de pessoas iluminadas pela alegria e talento, que habitavam aquele lugar. Era tudo tão lúdico sob o meu olhar.

Pois, a vida decidiu que eu deveria seguir outros caminhos, e, assim, após 1 ano, voltei para o Rio, onde trabalhei em uma associação cultural, na qual o talento era a chave do negócio.

Virando-me nos 30, fazia de tudo. Atendia ligações, resolvia problemas que os clientes só queriam resolver comigo, embora não fosse a minha função, ia a bancos, realizava depósitos, pagamentos, fazia compras, planilhas, cadastros, fechava acordos de parceria, isso tudo com a Pincher Laika, mascote da associação, no meu colo, porque ela achava que era a minha dona. O melhor de tudo era a macarronada com almôndegas e o pudim que rolavam, preparados pela secretária da associação.

Mais alguns meses, fui para a Bolívia com meu pai, e, em Cochabamba, vivi uma das temporadas mais inusitadas da minha vida. Enfrentei a altitude bravamente, após alguns nocautes, com direito a desmaios no meio da rua e tudo, mas sobrevivi. Namorei um brasileiro, lá, e, tempos depois, já de volta ao Rio, fui pedida em noivado por ele, mas a vida tem disso de nos colocar à prova, e o meu “não” me levou a outros caminhos mais.

Assim, trabalhei na administração de um condomínio, na Lapa, depois em uma famosa academia 24h, no Flamengo, onde muitas vezes eu dobrava, e até triplicava a minha escala, pegando o horário das meninas que queriam folgar, sempre buscando ganhar mais um pouco. Cheguei a fazer 24h, direto, quando uma das gerentes me proibiu, pois eu estava adoecendo com frequência, e indo trabalhar mesmo naquelas condições.

Depois, fui parar no comércio varejista, e foi onde a minha saúde começou a ser posta à prova, novamente, e ser o estopim do meu limite. Dobrava quase todos os dias. Batia todas as metas, ou quase todas. Para mim, vender era uma compulsão. O que me resultou em uma anorexia nervosa, uma pneumonia, diversas crises alérgicas, um princípio de infarto, e, por fim, descobri a epilepsia, após ser demitida por ter engravidado, durante o período de experiência, na loja onde fui promovida a gerente, e logo iria assumir. Pois… O comércio é cruel.

Mais uma vez, tranquei a faculdade, fiquei desempregada, e passei nove meses convulsionando, em uma gravidez de risco, devido à descoberta recente da epilepsia, sem plano de saúde, e sem apoio algum do genitor. Item da lista de maternidade que, a mim, foi bem desnecessário.

Pari, após quase 24h de trabalho de parto, que resultou em uma cesária de emergência, e mais uma semana de internação, com febre de 42º, devido ao surgimento de 5 cistos na lombar, que me impediam de deitar, e assim maratonei todo o trabalho de parto em pé, alternando com girar em uma boa de Pilates, no intento de aliviar as contrações. Sobrevivemos. Graças!

Depois, voltamos ao comércio, algumas lojas, à faculdade, vida materna, noites de insônia em busca do C.R. perfeito, o tão sonhado intercâmbio, o retorno inevitável, o primeiro tiro no escuro no empreendedorismo, com uma doceria artesanal, e, de volta ao varejo, mais insônia, formatura, o convite para concorrer a uma bolsa de mestrado, pela Universidade do Porto, a recusa sofrida… e os planos do tão almejado “sucesso”, para mim, fracassaram ali.

Fui eu, então, mais uma vez, incansavelmente, partir para o plano B. Decidi que queria montar um restaurante/ bar com cara de espaço cultural, onde a arte pudesse ir dos olhos aos ouvidos até o estômago, e decidi aprender tudo do zero.

Assim, aventurei mais uma vez a minha saúde em uma jornada de mais de 12h diárias, carregando mesas, cadeiras, engradados, varrendo calçada, atendendo muitas vezes a 15 mesas lotadas sozinha, embaixo de chuva e vento, lutando com baratas voadoras, lavando banheiro, desentupindo vaso, tendo que ir chorar escondida no banheiro, pois eu não queria demonstrar fragilidade alguma, afinal, era eu em meio a 20 homens realizando o mesmo trabalho, ou até mais que eles. Tudo isso, ligada no 220V, com uma garrafa de 2L de energético e mais analgésicos para dor e enxaqueca, por noite. Não foi fácil.

Mas, no final do expediente, o grupo comia a pizza mais deliciosa que existe no mundo, para mim. Além dos dias que antecediam as folgas, que comemorávamos no bar da esquina, e éramos alvo dos olhares de julgamento de transeuntes que não entendiam o que faziam aquelas pessoas em um bar, às 7h da manhã. “Bando de vagabundos!”… Mas, da missa, não sabiam a metade.

Pois, daí, pela segunda vez, veio o casamento. Desta vez, de papel passado, e tempos depois logo amassado. Mas, vamos pular essa parte triste da história. Estamos aqui para falar de sucesso.

Daquele bar, fiz contatos, e logo fui trabalhar com chopp artesanal, em uma jornada bem mais branda e leve, apesar dos barris de chopp de 50L. Passei ainda uns meses alternando a cervejaria com o outro bar, mas a saúde, mais uma vez, fez a sua escolha por mim, e optei pelo que ela me suplicou. Logo, de atendente nos quiosques da cervejaria, fui promovida a gerente em um Truck da mesma empresa, mas também assim não quis o destino, e a intolerância alimentar, devido ao trigo e à cevada, agravou a minha enxaqueca, com mais outros fatores, e a escolha foi feita, junto ao triste fechamento de uma das lojas da empresa.

Demissão, depressão, chikungunya, o fim da lua de mel do casamento, e após uma tentativa frustrada, porém certeira, de ir para os EUA, voltamos ao empreendedorismo.

Pensei eu: é a hora de concretizar o sonho. Assim, idealizei toda a hamburgueria que abri com o dito e seus amigos. A ideia, a criação da marca, da logo, do cardápio, do tipo de serviço, do marketing, e tudo o mais teve a minha identidade e personalidade. Idealizei um serviço de primeira, a preços democráticos, e compartilhei o sonho com os 3 sócios, que aprovaram a ideia. Porém, os ideais, as idéias e os valores não bateram, e assim o sonho do hambúrguer perfeito ficou só na carne moída mesmo.

E, lá veio a depressão, novamente. Desta vez, junto às dívidas. Aos 34 anos, tive meu nome sujo pela primeira vez, o que me fez tirar da cartola o plano C, e voltei aos bares. Desta vez, como supervisora em um restaurante japonês, na mesma região onde trabalhava, e conhecia a todos. Pois, não bastasse um, arrumei dois empregos, e alternava a rotina do restaurante com a representação comercial dos produtos de uma importadora do ramo alimentício, e não era nada moleza a jornada, que ainda era conciliada com a vida pessoal atribulada, e, novamente, a pneumonia me tirou de cena.

De volta ao empreendedorismo parte 3, voltei com os doces artesanais, desta vez, focando nos brownies.

Deus é tão bom, que logo eu criei outra marca, logomarca, estratégia de vendas, marketing, aprimorei a receita, e parti para as ruas, de bar em bar, nos mesmos em que trabalhei, e mais os vizinhos, pois era conhecida por todos, e assim a minha ideia foi abraçada, e logo estava com pontos de venda fixos, além de clientes fiéis.

Conheci empresários que achavam o meu marketing e produto brilhantes, fiz contatos, parceiros, a clientela aumentava, e as vendas também, e aquela rotina de compras no Saara, Central e supermercado, cozinha, depois sair equilibrando 3 sacolas pesadas, com mais de 50 brownies, embalagens e kits presente, em uma bike do Itaú, da Glória até Botafogo, ida e volta, e percorrer horas com as sacolas nos ombros, sozinha, vendendo de bar em bar, com a permissão de muitos para poder vender no interior dos seus estabelecimentos, tornou-se o meu ganha pão, e assim conseguia pagar parte das dívidas e contas.

Pois, daí, a violência doméstica tentou me tirar de cena, mas mesmo com o nariz fraturado, e outros mais, seguia a rotina. Eu tinha que focar na solução, e assim tirava forças de onde não mais tinha, e seguia.

Separação, mais agressão, mais abusos, pandemia, pausa forçada nos negócios, Covid-19, divórcio, tentativa de feminicídio, intolerância alimentar grave, e, assim, pela primeira vez, fui investigar o que paralisava o meu corpo, e lutava com a minha mente.

E, a cada exame, uma descoberta. Essa jornada desenfreada rumo aos 37 anos não foi nada glamourosa, mas eu ainda almejava o sucesso. Eu precisava ser bem sucedida para a sociedade e para a minha família. Eu tinha a necessidade de passar de um estorvo fracassado a uma pessoa de sucesso, mas, às vezes, a vida nos coloca para parar, e refletir.

Bicho, que ironia… intolerância e alergia alimentar a todos os ingredientes da minha receita de sucesso. Chamo de ironia, mas, muitas vezes choro por tamanha putaria. Desculpem o linguajar, mas acho até que fui branda no termo. Quantas vezes esbravejei com ódio dos pobres dos brownies. Mas, só eu sei o que passei com eles. Na minha mente, a culpa era deles a coincidência da vida ter me dado algumas rasteiras, enquanto me arriscava. Mas, vamos jogar o jogo do contente, e ver pelo prisma do livramento de certas situações.

Hoje, vejo as pessoas bem sucedidas, e sigo pensando como sempre pensei: caramba, que bacana! Eu fico feliz em ver as pessoas enaltecendo suas conquistas. Tenho inúmeras pessoas que admiro por tais feitos, e elas nem imaginam. Amo ver meus amigos empreendedores dando um passo à frente, crescendo, superando as adversidades, mas sabem o que mais aprecio nas conquistas? A saúde.

Pois, analisando a minha trajetória de “insucesso”, vejo o quão bem sucedida ela foi, embora minha saúde tenha sido a moeda de troca. Era maravilhosa a minha energia e a força de vontade que eu tinha, para compensar as minhas outras inúmeras dificuldades. Eu nunca tive medo do trabalho árduo. Não tive a mesma sorte de ter um trabalho arranjado, ou investimento para alcançar o “sucesso”, nem a base necessária para se chegar a tal, mas tudo o que foi vivido me transformou em quem eu, de fato, sou. E, eu descobri que sou uma pessoa maravilhosa, única, e mais forte do que sempre imaginei que fosse, ou pudesse ser.

Ah, meus caros, posso dizer, hoje, com mais de não sei quantas doenças crônicas, mais um problema ainda sendo investigado, passando dias e noites tendo crises, sem saber se vou acordar bem, ou mal, com receio de uma nova internação e cirurgia, com receio de que tentem me matar, novamente, endividada, sem renda, sem um tostão no bolso, com diversos conflitos maternos e familiares, enfrentando mais de 3 processos judiciais, lutando pela minha vida, e sem saber do futuro, literalmente, que fui e sou, sim, bem sucedida.

O meu sucesso mora na lembrança dos alunos sendo aprovados em escolas disputadas, nos clientes satisfeitos com suas compras, e voltando à loja, nas metas batidas, no primeiro choro do meu bebê, no quão lindo era e é o seu sorriso, nas notas altas, no tão sonhado intercâmbio, nas noites e madrugadas de trabalho árduo, nos bons amigos que fiz, nos poucos e maravilhosos que se mantiveram ao meu lado, nos filhotes que resgatei, e me dão todo o amor do mundo, nas minhas boas ideias e realizações, e, hoje, vivo esse momento mágico de amor próprio, e cuidando de mim.

Pois, se a minha jornada não é de sucesso, eu, definitivamente, não sei o que é o sucesso, ou não entendo, ou o percebi de maneira diferente, com o passar dos anos. O sucesso sempre esteve ao meu lado, nas minhas ações, nas minhas ideias, na minha mente, e, principalmente, no meu caráter. Sucesso sem saúde e sem caráter não é sucesso. A boa sorte é de quem realiza uma trajetória limpa, e, nesse jogo, I’m Winner! Como dizem nos games.

E, a saúde, essa é a peça chave para qualquer boa sorte no sucesso. Acho que a pandemia nos trouxe lições bem marcantes. Vivemos um momento histórico e decisivo em nossas vidas, de maneira geral. Nessa trajetória pandêmica, perdemos vidas. Muitas. Milhares. Ficamos a mercê de pessoas ditas preparadas e bem sucedidas, querendo fazer o seu sucesso pessoal e político a qualquer preço, mesmo que às custas de outras vidas, e isso é triste e lamentável.

Sucesso para mim é ter saúde de qualidade, comida saudável no prato, uma casa, um lar, uma família de verdade, um bom amigo fiel, ser uma pessoa de caráter, e saber olhar às necessidades do próximo. Sucesso é fazer a sua jornada sem uma fita métrica ou calculadora, medindo, comparando e gananciando. Sucesso é colocar amor nas atitudes e em si.

Aos que me vêem, mas não enxergam, canto aqui o meu sucesso. A minha trajetória conta a minha história, e eu não faria nada diferente para alcançar um status diferente do qual me encontro. A simplicidade abriga a felicidade. Para mim, conseguir fazer um passeio de bike com as pessoas que amo, sem passar mal, são o ápice da felicidade.

Só sinto falta mesmo da saúde. Não há romantização nenhuma no meu relato, embora assim pareça, é um breve relato de vida, superação e extrapolação de limites, e não um conto de fadas.

Não trago aqui um final feliz, pois a trajetória não chegou ao final, porém não sabemos da duração da pausa do corpo, e nas atividades laborais, mas estou respeitando, e com muita fé de que tudo vai dar certo. Deus, santos, anjos, entidades e todos os orixás estão comigo nessa trajetória. E, que trajetória, irmãos…

Não trocaria o meu pensamento atual, e em quem ele me transformou, nem por um milhão. Ser quem eu sou, e dar voz a isso, esse é o meu maior sucesso.

(Alessandra Capriles)

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