Sobre julgamentos e seus machismos. (Caso Mariana Ferrer e outros mais. Escrito em 05 de novembro de 2020.)

A sensação é incapacitante. Alguém aqui já esteve em situação de julgamento?

Pois, são apenas alguns segundos, mas o tempo de aceleração do peito, a descarga de adrenalina, o cérebro recebendo e processando todas as informações, tudo isso parece eterno, cada etapa de piscar de olhos.

Após esse primeiro instante inerte, vem a descarga da raiva com a adrenalina em alta, da revolta, o rosto contrai, a mandíbula treme, vem o soluço, o choro, e a desestabilização emocional foi concluída com sucesso. Pronto. O alvo foi abatido.

Quando exposta a uma situação de abuso, essas são algumas das possíveis sensações, levando-se em consideração que cada um reage de uma maneira, mas quando há um trauma por trás de tudo isso a desestabilização é ainda maior.

Na maioria das vezes, o autor do abuso/assédio escolhe a sua vítima, e ao menor sinal de vulnerabilidade ele se aproveita, sabendo exatamente em qual ponto tocar na ferida, e assim se dá a manipulação.

A nossa sociedade não vem somente de um berço machista e misógino, a nossa sociedade é de uma masculinidade tóxica, adoecida e com fortes traços sociopatas.

Homens são os maiores propagadores da violência, das guerras, da ambição pelo poder. Homens matam. Homens medem força pelo risco, mas também pela covardia.

Homens não gostam de mulheres. Esse é um fato. Homens gostam e admiram outros homens. Se perguntarem a um homem seus ídolos, ele citará referências masculinas estereotipadas, praticamente inatingíveis.

Se indagarem a eles o que buscam em mulheres, eles descreverão uma serviçal, ou sua mãe, vó, bisa, só que com a performance de uma atriz pornô de 18 anos, como as que compartilha nos videozinhos nos grupos do zap dos parças.

Mulheres são violentadas, diariamente. O machismo mata por omissão e submissão. O machismo não é coisa de gente mal instruída. O machismo tem formação, e muitas vezes até defende e ensina.

Uma mulher ser drogada, ter seu corpo violado, seu psicológico destruído por conta de mais do mesmo, em pleno século XXI?

A caça às bruxas nunca acabou, meus caros. Essa é a verdade. A imagem da mulher já nasce estigmatizada.

Não podemos ter como normal uma mulher não ter voz sobre si, sobre seu corpo, sobre suas decisões, sobre sua própria vida. Uma mulher ser humilhada diante de homens que se reuniram para decidir como seria julgada a situação que envolvia nada além do que o corpo de uma mulher, o qual pertence somente a ela.

Uma tortura psicológica de três homens abusivos predeterminados a culpabilizarem uma mulher por uma atitude de violência de um estuprador contra ela. Três homens invertendo e manipulando uma situação, provas, fatos e uma sentença em prol de somente livrar mais um playboy branco e “rico” de arcar com suas (ir)responsabilidades.

Isso não é normal. Essa sentença é de todas as mulheres. Essa sentença também é minha. Essa sentença é de todas nós mulheres que carregamos esse fardo que nos desempodera.

Como educadora por formação, acredito no amor e na educação como ferramentas de salvação. Mas, não se salva quem não segura a corda.

O homem que sai impune de seus crimes é o mesmo que volta a praticá-los. A impunidade empodera o criminoso. E, assim, alimentamos a criminalidade, a corrupção, a violência, a roubalheira, a mamata, o desequilíbrio, um poder misógino e a tragédia social em que vivemos, e por aí é só derrota…

Pois, não há como não sentir a súplica da voz de uma mulher por respeito, enquanto tem seu julgamento, além de sua vida e corpo, manipulado. Não há como não se sentir violada naquelas frases. Não há como não se sentir amordaçada. Não há como não sentir cada palavra como um murro na cara, e eu posso afirmar a vocês que um soco no meio da cara dói.

Quem leva um desses é capaz de guardar o barulho dos ossos da face quebrando para sempre na memória.

Em tempos pandêmicos, o que mais mata mulheres ainda é o machismo. E, já são milênios.

Até quando, meu Deus? É essa sociedade que o meu filho também terá que enfrentar? É vendo a impunidade ser aplaudida de pé por tipos boçais? É vendo a justiça perder seu martelo?

Eu não sei vocês, mas eu cansei de levar essa surra calada.

(Alessandra Capriles)

Deixe um comentário