Página em branco, ou papel reciclado?

Ontem, li um breve texto de uma amiga, que falava sobre limpar o HD. Coincidiu com o meu exato pensamento do momento. Foi a última coisa que li, e dormi, e acordei pensando nisso.

Como é importante limpar o HD. É como limpar a casa, arrumar o guarda-roupas, fazer aquela reciclagem necessária. Por sinal, a casa e o guarda-roupas, cansei.

Os últimos anos da minha vida foram de backup total da máquina. Tudo o que pertencia à minha vida, foi-se.

No primeiro momento, é como desapegar daquela roupa que tu amas. Daquele sapato e bolsa que te acompanharam em diversos momentos da tua vida. Do teu jeans predileto, que já está para lá de surrado. Da camiseta que te trazia conforto. Objetos, há muito, sem sentido. Etc.

A dor é enorme. Tu ficas ali olhando para aquelas coisas, meio sem saber o que fazer, mesmo sabendo o que tens que fazer.

Só que pessoas e momentos doem mais.

O ano que passou, bem como tantos outros, foi o ano das despedidas pendentes. Aqueles negativos de fotos guardados, há décadas, na gaveta, que já revelaram o que tinham que revelar, e já se desgastaram.

Meu Deus, que angústia pensar no quanto mantive guardadas coisas, lembranças e pessoas que não queriam estar ali.

Aquilo tudo fica gritando para ti que não quer mais estar ali, ou só quer ocupar um espaço, por ocupar. Sem sentido, querer, ou importância real. Como um hobby para passar o tempo.

Ah, como é bom saber que tais coisas tomam outros destinos. Pessoas também.

Depois que a gente fica à beira da morte, damos mais significado ao que é, de fato, importante e profundo. Damos mais significado às palavras e aos sentimentos. Damos o valor devido a nós, e libertamos as amarras de pequenas grandes prisões.

O nosso melhor ombro amigo na dor pode ser a nossa própria voz interior. Só precisamos escutar. E, muitas vezes, é tão bom se ouvir.

Com o tempo, aprendemos que quem te ouve, nem sempre quer te ouvir. Às vezes, só quer a informação. É cruel? É. Cada um sabe do carma de si.

Na ausência, há o silêncio necessário para a reflexão. E, nunca devemos deixar de nos silenciar e o meio, para refletir.

Parece que a visão limpa, melhora, a sua intuição começa a fazer sentido, porque não há interferências externas, que desvirtuam os fatos.

Já pensaram o quão horrível é a sua presença fazer mal a alguém? Todos somos tóxicos. Sem excessões. Mas, já pensaram em o ser por querer?

Deus me livre fazer mal a alguém, intencionalmente. Graças a Ele e todos os deuses, sempre busquei o caminho do bem, do justo. O caminho que não cria atalhos é muito mais penoso, e não há romantismo nenhum nele, mas é o único que tranquiliza a consciência. Para quem tem.

Tudo o que quis ir, deixei. De coisas, lembranças a pessoas, deixei. Muitas delas já voltaram a bater à porta, mas não consegui abrir. Não por birra, rancor, ou mágoa, mas por amor próprio. Porque abrir e fechar portas dói.

Em quantas portas já não batemos na vida, quando mais precisamos, e ninguém respondeu? A última porta que fechei, foi a que quase me levou à morte, da última vez, e, como toda porta, ela nem sabe, ou se dá conta.

O respeito do espaço deve ser mútuo. Falo de coisas e pessoas. A vida nos ensina que nada é eterno. Dói. Dói muito. E, quem gosta de sentir dor?

Tirando os sadomasoquistas, acho que ninguém mais gosta da dor.

Abrir e fechar portas é como se automutilar. Não é bonito de se ver, nem sentir. Sangra. Mesmo que superficial à derme, o corte na alma é profundo. É uma cesárea sem anestesia, ou um transplante de olhos abertos.

Às vezes, ficam cicatrizes, outras só o espaço vazio. E, há tanto de si no vazio, que aprendemos aos poucos a nos preencher, ou não.

Em determinadas ocasiões, o vazio é necessário para ecoar vozes distantes, ou internas. Mas, em outras, fica somente o vazio gritando mesmo. Uma hora passa. Passa?

Agradeço, a cada dia, tudo o que tenho. Agradeço também pelo que foi, e desejo sorte e felicidade. Mas, uma felicidade verdadeira. A felicidade que vem de dentro, e não de coisas.

Pois, como falamos de HD, coisas e pessoas, elas se perdem muito fácil. Até as lembranças se apagam com o tempo. Não sei quanto tempo leva, mas apagam.

A máquina, então, fica mais veloz, o espaço mais limpo, a multidão caótica também se dissipa. E, é quando podemos melhor perceber o que ficou.

E, se nada sobrar, não é o fim do mundo. Ao menos, a melhor versão de ti estará ali. Sem romantizar também a solidão. Bem como seguir o caminho em linha reta, a solidão do percurso dói.

A dor é minha atual companhia patológica crônica. Igualmente, não desejo a ninguém. Aprender a conviver com ela é exaustivo. Não há mais espaço para outras dores.

A vida não é um pão de queijo, nem um morango. Bem como a terra não é plana. Tudo gira, tudo muda, e muitas vezes o sabor é amargo para quem degusta.

A pergunta que fica é: qual o sentido disso tudo?

Sinceramente, não sei responder. Alguém se arrisca?

Talvez nada faça sentido, e as coisas somente são como são. Bem como a vida e as pessoas.

(Alessandra Capriles)

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